O cheiro a canela espraia-se pela cozinha. Na panela ao
lume, o arroz borbulha em movimentos preguiçosos, com o vagar das coisas, que
só as coisas têm. Lucinda agarra uma colher e mergulha-a na panela, remexendo o
arroz em movimentos firmes e circulares. As suas mãos, há mais de meio século a
segurar as rédeas da família, levam a colher à boca. "Está quase
pronto", pensa com um sorriso. Desta vez saiu-lhe bem essa receita que
atravessou gerações.
- "Avó! Avó! Já
está pronto?" A neta Susana irrompe pela cozinha.
- "Está quase,
minha filha", diz Lucinda pegando nela ao colo.
- "Avó, porque é
que o teu arroz é doce?"
Lucinda fita os olhos vivos e curiosos de Susana. Esses
olhos que reflectem a inocência e a bondade que só se pode ter aos três anos.
"A doçura está nesse olhar", pensa para si. O mesmo olhar, a mesma
inocência que já tinha visto na filha e nos irmãos mais novos, que ajudou a
criar. Num segundo, o pensamento foge-lhe através de décadas, em busca do que
já não pode voltar.
- "Então, é do
açúcar!", responde por fim.
Um dia, mais para a frente, entenderás, Susana.
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