quinta-feira, 5 de julho de 2012

Doçura


O cheiro a canela espraia-se pela cozinha. Na panela ao lume, o arroz borbulha em movimentos preguiçosos, com o vagar das coisas, que só as coisas têm. Lucinda agarra uma colher e mergulha-a na panela, remexendo o arroz em movimentos firmes e circulares. As suas mãos, há mais de meio século a segurar as rédeas da família, levam a colher à boca. "Está quase pronto", pensa com um sorriso. Desta vez saiu-lhe bem essa receita que atravessou gerações.
 - "Avó! Avó! Já está pronto?" A neta Susana irrompe pela cozinha.
 - "Está quase, minha filha", diz Lucinda pegando nela ao colo.
 - "Avó, porque é que o teu arroz é doce?"
Lucinda fita os olhos vivos e curiosos de Susana. Esses olhos que reflectem a inocência e a bondade que só se pode ter aos três anos. "A doçura está nesse olhar", pensa para si. O mesmo olhar, a mesma inocência que já tinha visto na filha e nos irmãos mais novos, que ajudou a criar. Num segundo, o pensamento foge-lhe através de décadas, em busca do que já não pode voltar.
 - "Então, é do açúcar!", responde por fim.
Um dia, mais para a frente, entenderás, Susana.

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