Cai a noite. Espreito pela janela e vejo a chuva a bater
desenfreadamente contra o vidro, quase em desespero. “Preciso de te sentir…”
Visto a gabardine e saio para a rua. A chuva abrandou, está agora mais dócil.
Deambulo sem rumo. Preciso de pensar. A noite anterior deixou-me apreensivo.
Quem seria aquela pessoa? Porque me dirigiu a palavra? E o bilhete, o que
significa aquela mensagem? ‹‹Seguem-te››. A verdade é que hoje passei o dia
inquieto. Seria uma mera sugestão?... Dou por mim parado num viaduto. Lá em
baixo um corropio de faróis emana vida na noite fria. Viro-me repentinamente e
uma mão pousa no meu ombro. Aí está ela novamente.
- “Segue-me!”
A curiosidade não me deixa protestar. Dou por mim a seguir um vulto na
escuridão. Num beco, pára e, determinada, encosta-me à parede e beija-me.
- “Temos pouco tempo.”
- “Quem és tu?”, pergunto,
atordoado.
Ela sorri mas não responde. Com uma destreza ímpar retira um
canivete da algibeira. Enterra a ponta na parede e faz saltar um tijolo. Estica
o braço e alcança um pequeno embrulho.
- “Anda! Vou-te mostrar uma
coisa…”
(continua)