quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

Quando cai a Noite na Cidade (Parte I)



Cai a noite. Espreito pela janela e vejo a chuva a bater desenfreadamente contra o vidro, quase em desespero. “Preciso de te sentir…” Visto a gabardine e saio para a rua. A chuva abrandou, está agora mais dócil. Deambulo sem rumo. Preciso de pensar. A noite anterior deixou-me apreensivo. Quem seria aquela pessoa? Porque me dirigiu a palavra? E o bilhete, o que significa aquela mensagem? ‹‹Seguem-te››. A verdade é que hoje passei o dia inquieto. Seria uma mera sugestão?... Dou por mim parado num viaduto. Lá em baixo um corropio de faróis emana vida na noite fria. Viro-me repentinamente e uma mão pousa no meu ombro. Aí está ela novamente.
 - “Segue-me!”
A curiosidade não me deixa protestar. Dou por mim a seguir um vulto na escuridão. Num beco, pára e, determinada, encosta-me à parede e beija-me.
 - “Temos pouco tempo.”
 - “Quem és tu?”, pergunto, atordoado.
Ela sorri mas não responde. Com uma destreza ímpar retira um canivete da algibeira. Enterra a ponta na parede e faz saltar um tijolo. Estica o braço e alcança um pequeno embrulho.
 - “Anda! Vou-te mostrar uma coisa…”

(continua)

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

Perseverança


Esta não é uma história de amor. É apenas a história de um gajo, um gajo que tinha a mania que sabia andar de patins.
 -"Curte aqui este «move»!"
Esbardalhanço...
 -"Olha aqui um 360!"
Tralho aos 90...
 -"Tá calor, vou tirar a camisola!"
É inverno...
Esta é a história do Vando. Desde os 13 que anda na rua, a tentar. Primeiro no skate, agora nos patins. É cheio de letra para as miúdas, mas nicles. Tecnicamente, Vando é um falhado. Como todos os falhados, não tem a noção do ridículo. Carlos Darwin diria que este é um processo de selecção natural que lhe garante a sobrevivência. Certo dia, Vando tenta outra vez, aquele «move» que ainda ninguém conseguiu. Ao ganhar velocidade, algo muda, há um cromossoma que se liberta, uma proteína que se fabrica, a confiança que se solta. Vando consegue o impossível. Esgares de gozo transformam-se em espanto puro e mudo. Vando delira, mas como falhado que é, não percebe. À sua volta, o mundo mudou e concedeu-lhe a sobrevivência.

Moral da história: A perseverança compensa, mesmo se fores um palhaço.


quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

Semear. Colher. Vencer.


Já não é a primeira vez. Sob o telhado pagódico, na face remota daquela ilha, da sua ilha, encontram-se. Mais que um refúgio, um esconderijo. Um lugar proibido, assim como o seu amor. Ali se juntaram ao longo de seis anos, longe dos olhares mortíferos de quem desaprova. Sob aquele tecto, floresceram dois amantes furtivos, ficou tudo o resto para trás, sobrou apenas o Amor. À sua frente, uma janela para o mar, a imensidão que os define, uma esperança ténue que os guiou. Mas hoje, os motivos são outros. O Imperador seu pai tem planos para Ela. O Amor não faz parte deles. Muito menos Ele, desconhecido só com a vida para oferecer. Hoje, despedem-se. Hoje, celebram um amor que se espraia através do futuro, eterno, que cada um carregará consigo. Abraçam-se, envoltos no resplendor da Lua, alvo, sincero, sem censura. Olham-se uma última vez, cheios de tudo, crentes de nada.
 -"Acabou." - diz Ela.
 -"Nunca acaba." - diz Ele.
Há seis anos, o Amor semeou. Hoje, o Amor colheu. Hoje, o Amor venceu.

Foto e conto por Pedro